quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A VOLTA DO COMETA




A nossa turma de amigos de infância, se encontra anualmente há vinte anos. Chama-se “Turma do Largo”

De vinte ou trinta componentes iniciais (os verdadeiros) hoje são mais de cem. Passei uma peneira naquela massa, separei os grande amigos e começamos a fazer um outro encontro numa chácara em Sorocaba. O texto é cheio de metáforas e espero poder ser compreendido.


O céu estava carrancudo, coberto de nuvens que desabavam vez por outra molhando toda a terra. Parece que isso começava a tornar-se uma constante. Era o Square Group que aproximava-se.

Depois de um breve estudo sobre o que estava acontecendo, depois de eu começar a lamentar que o céu encoberto não nos deixaria ver o espetáculo de sua passagem é que percebi o que de fato ocorria.

Mesmo sem entender de astronomia, mas sentindo os impulsos em meu coração, em dado momento, senti e vi seus elementos de composição. Concluí que ele não passaria no universo perto do sol nem próximo da terra. Ele estava era dentro de sua atmosfera. A idéia loucamente romântica de ver novamente seus componentes misturados às gotas de água que caíam, confundiam-me a ponto de não saber se estávamos no solo ou num “Pedacinho do Céu” qualquer, se éramos a massa ou sua calda reluzente, se a música que ouvia era tocada por anjos ou vinha de um “três em um” que eu julgara ligado à rede elétrica. Nós éramos o Cometa agora. Havíamos sidos incorporados novamente em suas estruturas e por três dias deslumbraríamos os que tem a capacidade de observar, sentir e principalmente... amar. Vê-lo, não é uma atividade física ou mental. Ele habita outra dimensão que só os que estão preparados podem atravessá-la. Agora éramos astronautas incomuns, que preparados por trinta e cinco anos na amizade capacitaram-se para esse tipo de aventura. Percebi que ali estavam uma mistura do corpo celeste, tripulantes e nave espacial formando o ESQUARE GROUP, O COMETA.

Aos que não fazem parte dele, sabem de sua existência mas não conseguem vê-lo, vou procurar relatar sua nova aparição sem ser repetitivo, visto tratar-se de uma trajetória quase igual a primeira, não fosse o acontecimento de algo incomum juntando-se a nós, vindo do céu.

Estou emocionado e não consegui dormir de sexta para o sábado. O Enio e o Carlinhos enriqueceram sobremaneira a nossa turma. O Miguel é o nosso pai. Tem tanto carinho com todos a ponto de beijarmos sua bochecha pelo menos duas vezes ao dia. Algumas pessoas exprimem mais seus sentimentos, outros são mais reservados. Alguns cantam mais, outros bebem mais, outros falam mais. As músicas são trocadas em quantidades absurdas, tal a euforia de cada um querendo tocar suas preferidas. A cada - Essa é linda! - o volume é aumentado e nós vamos conversando, falando cada vez mais alto. Gradativamente vou ficando rouco.

São onze e trinta, o Gilberto e o Zé da Farmácia foram a Sorocaba comprar as carnes, a churrasqueira ainda não foi acesa. O Veronezzi falou comigo ao telefone sexta pela manhã afirmando seu comparecimento dizendo levar junto o Quevedo.

De repente o som de um helicóptero me faz vir a mente cenas do filme de 1979 de Francis Ford Coppola “Apocalypse Now”. Os soldados entrincheirados no Vietnã escutam as pás do aparelho aproximando-se para salvá-los. O som vem num crescente, as árvores que os rodeiam balançam mais fortemente e numa tomada de camera a partir do solo surge magnificamente o helicóptero. O som vai ficando ensurdecedor, o vento das hélices parecem arrancar o próprio chão. Vem descendo, balançando a cauda como que medindo as dimensões do campo de pouso, para finalmente colocar suas bases em terra firme.

Não éramos os soldados, mas nossos êxtases ao vermos sua descida talvez tenha sido muito semelhante. Foi quase indescritível o que sentíamos quando vimos descer do aparelho, o Veronezzi. Não que nunca tivéssemos visto um helicóptero, eu mesmo já havia voado muitas vezes. É que jamais esperávamos que ele chegasse dessa forma. Eu o havia convidado há vinte dias e apesar de seus últimos telefonemas eu não tinha tanta certeza. Ele estava honrando um compromisso. Ele era um de nós que deu muito certo, e em cada um havia estampado um orgulho, como se tivéssemos contribuído em uma parte para o seu sucesso. Era também o nosso único amigo que possuía tal meio de condução. Muitos antes, também tiveram sucesso, mas ao adquiri-lo, não nos deram a chance de compartilhar-mos.

Realmente não sei se conseguirei descrever aquele momento. Só mesmo o Esquare Group foi capaz de proporcionar esse momento inesquecível.

Nosso companheiro, acostumado a tantas badalações, emocionado também, mais parecia um garoto mostrando aos seus amiguinhos a bicicleta que ganhara do Papai Noel. E é claro, todos nós queríamos dar uma volta e umas pedaladas. Fomos atendidos sem precisar pedir. Foram três ou quatro decolagens nos tirando daquela dimensão para estourarmos de saúde e alegria no céu como um pássaro dono de seu próprio destino. A linha do horizonte tornou-se ainda mais distante para melhor sentirmos os tamanhos da nossa velha terra. Muitos puderam perceber exatamente o que torna a dimensão que vivíamos tão diferente do mundo exterior. Não sei. Mas é qualquer coisa que a gente nunca esquecerá.

Na terra, a mistura de nossas vozes, o crepitar do carvão, a música de fundo, as risadas, as gargalhadas, as tagarelices... E tudo isso se funde no ruído da liberdade, algo que nunca se ouve até que deixa de existir.

A tardinha, o Veronezzi pede ao comandante que ligue o aparelho para mais uma decolagem. Nela iriam os que ainda não tinham voado, as filhas do caseiro da chácara vizinha, duas meninas que mau andavam de carro, eu recusava ir pela segunda vez confessando medo do pouso e da decolagem.

O helicóptero voltou trazendo os alegres tripulantes, não desligou seus motores nem o comandante desceu. Sentimos que era a hora da partida.

O Veronezzi pediu para que nos reuníssemos num círculo de mãos dadas. Ao som distante da nave que o levaria, disse:

- Eu amo todos vocês! Obrigado por vocês existirem! Pelas nossas amizades duradouras eu quero agradecer a Deus na oração do Pai Nosso! Não vou esquecer esse dia! Nos veremos dia quatorze de dezembro novamente, não vou faltar! Deus esteja com todos vocês!

Rezamos, nos abraçamos, nos beijamos e sem que ninguém falasse mais nada o acompanhamos até o helicóptero. O motor girava a não sei quantos giros por minutos, já pronto para a decolagem. O Veronezzi sentado no banco traseiro apertava suas duas mãos contra o coração e as estendia apontando repetidas vezes para cada um de nós.

A ventania tornava-se novamente violenta tal a proximidade nossa do aparelho. Ele levantou, ganhou altura, distanciou-se uns três quilômetros da chácara, virou e passou novamente por nós num vôo razante e a toda velocidade. Era a saudação que os aeronautas costumam fazer na partida.

Caminhamos em silêncio para a churrasqueira, nossa base de alimentação e suprimentos, profundamente emocionados. Havia uma comoção geral. Nos dividimos em grupos e não pude escutar o que diziam. Num canto da parede, sentados, vi o Enio, o Tatuzinho e o Miguel chorando. Eles limpavam as lágrimas que corriam de seus olhos. Não sei o que os levou a tal procedimento nem quis perguntar.

“Há poucos seres no mundo que não possuam de qualquer maneira certo anseio espiritual, o sentimento íntimo, não formulado embora, de que existe uma Força Suprema para a qual se volvem instintivamente.”

O Veronezzi nos colocou bem perto dessa Força, desse fenômeno espiritual que nos estende as mãos, nos coloca mais perto do Criador e através do amor, em momentos extremos somos levados ao sentimento da maneira mais intensa. O momento foi o da mais pura amizade.

Pude retratar-me olhando fixo as pessoas e avaliar meus sentimentos sobre cada um. Diferenciei os que ali estavam apenas para se divertir não importando a companhia. Apenas desfrutavam de uma festa como outra qualquer e nela passavam o tempo. Vi nos olhos de outros o verdadeiro motivo do encontro em que a festa era apenas um mero complemento para embalar sua vontade de matar a saudade dos velhos e queridos amigos.

No domingo, as nuvens foram dissipando-se e o Cometa começou a ir embora. Aos poucos seus elementos hesitantes iam se diluindo, evaporando, formando uma grande massa de nuvem negra que desabou sobre a terra com a saída dos últimos. Suas águas não conseguiu apagar as pegadas que deixamos no solo e ainda paira no ar de Sorocaba o ronco do helicóptero. Nas gramas amassadas dos pastos pode se ver os cristais de gelo da cauda do ESQUARE GROUP.

Por Raul Claudio Baptista



Antônio Veronezzi é dono e reitor da UNIVERSIDADE DE GUARULHOS - SÃO PAULO

3 comentários:

Beth Cerquinho Artesanando a Vida!! disse...

Realmente é pra bem poucos essa amizade duradoura e sincera, consegui captar a emoção do momento e no meio disso me dei conta que esteve aqui em Sorocaba e nem me ligou..rsss
Vou mandar por testemunials meus telefones..
Bjka e parabéns pelo post.

Martins Oliveira disse...

Sei muito bem o que é encontrar a turma de infância e reviver momentos que o tempo não apaga. Parabéns pela emocionante narração e espero reencontrá-lo algum dia destes. Quando puder veja em:
http://colunamartinsoliveira.blogspot.com/2009/10/sob-o-signo-do-passado.html

Martins Oliveira disse...

Caro Cacau,

Sempre me lembro dos bons tempos da Eletropaulo, e vc. faz parte das lembranças. Vou te ligar qualquer noite dessas.
Tenho encontrado seu filho, que é professor do meu. É mole?
Grande abraço.

Martins///