quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Jornal de Notícias - Bomba Atômica


Como seria ler uma notícia de jornal depois de 67 anos? Ainda mais falando de uma arma nuclear que não tinha sido inventada? Falando da II Guerra Mundial em pleno andamento? A seguir, texto na íntegra do, “DIÁRIO DE NOTÍCIAS” de Porto Alegre, de agosto de 1942.

“NOVA YORK, AGOSTO DE 1942 - Murray Teig Bloom

Imaginemos uma substância com poder explosivo tão grande que uma bomba de 10 libras (4,5K) possa abrir um buraco com 25 milhas (40 Km) de diâmetro e mais de uma milha (1.600mts) de profundidade, e destroçar qualquer construção num raio de cem milhas (160 Km). Pensemos num metal mágico, com tanta energia potencial que uma peça de cinco libras, apenas com 10% de pureza, possa ser usada para manter através dos oceanos, sem reabastecimento, durante meses, couraçados e submarinos.
Pois isto não se encontra absolutamente além do reino da possibilidade!
Em conseqüência de trabalhos executados em laboratórios cuidadosamente guardados, por todo o mundo, há todas as probabilidade de que a força atômica, barata e quase inexaurível, possa ser posta a disposição do homem, graças a um metal pesado, conhecido pelo nome de Uranio-235. Há aqueles que acreditam que o U-235 desempenhará um papel importante e talvez decisivo nesta guerra. Não explicará ele, porventura, a presente ação dos submarinos alemães na costa oriental das duas Américas?
Na verdade, o mundo teve um dia de terror em fevereiro de 1941, quando rumores cuidadosamente manufaturados partiram da Alemanha, insinuando que os cientistas do Terceiro Reich haviam, finalmente aperfeiçoado uma bomba com a energia atômica do urânio, teoricamente dois milhões de vezes mais poderoso do que uma bomba comum de peso igual. Naturalmente, isto deve ter sido uma audaz mistura de pensamento utópico e de tática nazista de mexer com os nervos do inimigo. Se eles possuíssem uma arma assim, não teria sido necessário dizer uma só palavra. Uma cidade inglesa arrasada até o chão teria feito tudo. E é igualmente pura especulação a hipótese destinada a explicar os atuais afundamentos de navios mercantes nas costas do nosso hemisfério.
Para os cientistas norte-americanos empenhados na obra secreta de isolar o U-235, seu valor está em seu grande potencial industrial. Mas eles admitem que, uma vez isolada quantidades suficientes da substância, ela poderá ser usada, com muita eficiência, como o explosivo mais mortal da história. E, as portas fechadas, continuam as pesquisas fabulosas.
Felizmente, este é um campo onde temos uma clara superioridade numérica sobre os nazistas. Possuímos um número relativamente grande - 25 - de ciclotrons, os instrumentos chave na criação da força atômica. Estas máquinas, uma espécie de “britadeiras” de átomos, geram partículas de uma terrível quantidade de energia chamadas neutronios, as quais, quando arremessadas a um alvo de urânio, despedaçam-no. O estilhaçamento do átomo de urânio cria energia atômica.
Os físicos norte-americanos duvidam que o problema possa ser resolvido dentro de uma década. Mas os alemães, que possuem 11 ciclotrons, estão necessitando terrivelmente de uma poderosa arma. Como pode ser utilizado como terrível explosivo e como combustível para submarinos, aviões, tanques, o U-235 seria a resposta.
Há tremendos problemas no caminho, naturalmente, mas a guerra produz milagres científicos. Frits Haber, num momento critico, não descobriu acaso o processo de fixação do nitrogênio, que permitiu a Alemanha continuar a primeira Guerra Mundial com nitratos artificiais baratos para explosivos? Hoje, a Alemanha aspira a um milagre como o de Haber.
Lise Meitner poderia ter realizado esse milagre para a Alemanha – mas não para uma Alemanha governada pelos nazistas. Efetivamente, tal como Haber antes dele, Lise Meitner é “não-ariana”.
Durante vinte anos esta solteirona simples de 61 anos de idade, desempenhou um papel vital numa comissão de pesquisa considerada em todo o mundo por suas sólidas realizações na física atômica. Quando as sua pesquisas tomavam certo avanço, houve um incidente relativamente insignificante com Lise Meitner. Uma corte racial alemã decretou que ela era “não-ariana”. A partir de então, a vida se lhe tornou insuportável na Alemanha nazista. Decidiu ir para a Suécia. Numa noite de janeiro de 1939, o Expresso de Estocolmo saiu de Berlim com a solitária anciã. Em Sasenitz, envolta pela cerração, ela foi conduzida a um pequeno compartimento da estação onde uma funcionária da alfândega lhe ordenou que se despisse, para a busca. Não podia levar mais de dez marcos. Nenhum apontamento. Nenhum segredo militar. Mas era tarde, e a funcionária aduaneira, uma velha, estava com sono. E o caderno de notas de Fraulein Meitner, com os resultados de seus dez anos de pesquisa, contendo a pista básica para um novo destino do mundo, saiu para fora da Alemanha.
Partindo dos estudos de Lise Meitner, os cientistas descobriram que, para obter um fornecimento contínuo de energia, era necessário ter certo tipo de urânio, agora conhecido pelo nome de urânio-235. Contudo, em cada 140 libras de urânio comum, há apenas uma libra de U-235 puro. O processo para isolar esta substância preciosa é penosamente lento e, hoje, todo o U-235 da América poderia ser colocado numa moeda de 10 centavos, e ainda sobraria muito espaço. O objetivo atual é a produção em massa de U-235.
As fontes da matéria prima, a carnotita e a pitchblenda, estão localizadas principalmente em território aliado, embora se encontrem certas quantidades na própria Alemanha. Grandes e ricos veios de pitchblenda, que também se reduz a radio, se encontram na região do lago Grande Urso, no noroeste do Canadá e no Congo belga. A carnotita é encontrada no Colorado.
Evidentemente a descoberta de um meio prático para obter grandes quantidades de U-235 revolucionaria a industria e o transporte norte-americano. A indústria de carvão se transformaria em uma gigantesca peça de museu. A conta de energia nacional, de cerca de três bilhões de dólares por ano, ficaria reduzida a uma fração disso. Os automóveis teriam um abastecimento permanente de combustível, automático... E o céu será nosso limite, se pudermos obter bastante U-235 – e se pudermos obter antes que os nazistas o façam.
Muitos cientistas norte-americanos acham que o problema entrará no caminho da solução com a gigantesca “britadeira” de átomos de 4.900 toneladas, que está sendo construída na Universidade da California. Provavelmente, será capaz de transmutar qualquer elemento, inclusive o urânio. Se o U-235 pudesse ser obtido do U-238, mais comum teríamos já a resposta. É possível que em 1948, este superciclotron esteja pronto para a prova histórica.
Enquanto isso, algumas das inteligências norte-americanas mais agudas continuam o seu trabalho em torno do grande problema, inteiramente conscientes de que o sucesso significa a morte quase certa. As irradiações do U-235 provavelmente matarão os experimentadores, a não ser que um escudo seja descoberto, para protegê-los contra os raios. Os pioneiros dos raios X morreram assim também,
E enquanto isso, em Estocolmo, a serena Lise Meitner, que acendeu a centelha de uma revolução científica que certamente mudará a história do homem continua as suas experiências também.
Aos 61 anos a morte é uma questão sem importância”.

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