quarta-feira, 23 de setembro de 2009

A História das Histórias


Foi preciso que durante muitos anos o mofo se acumulasse nas (tralhas) e bagunças dos objetos guardados aqui e ali, sempre com desprezo e resmungas dos que com eles conviviam. Foi preciso levá-los onde havia espaço emprestado e acumulá-los nos baús, armários e gavetas. Guardá-los longe dos ratos e baratas e agüentar os torcimentos de narizes dos insensíveis ao vê-los. Foi preciso agüentar a curiosidade de apenas ver inúmeros negativos históricos, e não revelá-los para não perder a exclusividade de possuí-los. - Posso tirar uma cópia para mim? Diziam nos laboratórios fotográficos. Só agora começo ver os positivos. Ninguém pode duvidar a capacidade, sensibilidade e visão futurística do vovô Antônio, ao registrar com maestria fotos maravilhosas das construções do Pacaembu, Av. Nove de Julho, Viaduto do Chá, a reforma do Vale do Anhangabaú, e tantos outros pontos da cidade de São Paulo, já com um pensamento fantástico para aquela época como que adivinhando que a cidade se tornaria num futuro próximo uma das maiores do mundo.

Foi preciso um orgulho muito grande do tio Henrique o primeiro filho (1901-1974), do Antônio o primeiro neto e a minha, confesso, para guardar isso tudo por mais de 60 anos, sem contar o tempo que ficaram com o vovô. Valeu a pena.

Hoje, no ano de 2008, depois de com muito sacrifício desde o primeiro, conseguir adquirir um computador moderno, é que faço disso tudo um real proveito. Infelizmente a história fica meio sem pernas visto que quase não ficou ninguém para contá-la. Ficaram os registros fotográficos, e muitos, que poderão passar para nós o clima de alegria ou tristeza do momento do Clic.

Bem! Depois de todos esse anos, depois de fazer uma avaliação de ter em meu poder, entre negativos e positivos, de quatro a cinco mil fotos, me pergunto:- Quem é minha família? Onde ela está? Quem são seus componentes? Porque, do Antônio e Carolina, até os dias de hoje ela cresceu, se espalhou pelo Brasil afora e foi sumindo. Uma parte dela está desaparecida e como não existe um centro de convergência, não existe também um ponto de encontro, fazendo que a distância entre duas pessoas seja exatamente iguais. Eu estou tão sumido do Luiz Henrique de Florianópolis, da Edithe de Maceió, quanto eles de mim.

Mas não é essa a idéia que faço da separação. A nossa dispersa família está tão separada quanto as estrelas no céu. Ninguém sabe nada de ninguém. Parecemos OVNIs que aparecem vez por outra. Somos uma constelação de estrelas e entre elas existe muito mais que a distância do tempo-espaço. A distância que nos separa é a do esquecimento e da indiferença. Ainda não fomos descobertos, portanto, não constamos nos mapas das constelações do universo. Somos mais uma estrela cadente(um meteoro) que risca os céus de nossas vidas e no contato com a atmosfera se desintegra.

Quase só nos encontramos em acontecimentos sociais ou, mais precisamente, quando uma estrela deixa de existir. Como bom e triste exemplo disso, foi preciso que o tio Armando (quase meu segundo pai na infância) estivesse a beira da morte para que eu pudesse vê-lo ainda com vida depois de cinco anos. Somente eu o vi pois ele não enxergava mais nada. Tive sorte porque muitos, só o viram no caixão, muitos souberam de sua morte muitos dias depois, outros nem sabem que ele existiu. Era um homem fantástico, bom e paciente e durante muitos anos o baluarte da família toda. Muitas pessoas dizem: -Você é o tio Armando escrito. Parece filho dele! - Confesso que quando isso acontece sinto o maior orgulho.

Apesar de na nossa concepção estarmos tão longe uns dos outros, se compararmos a distância entre a terra em que vivemos, com a última das 40 bilhões de galáxias descobertas ultimamente pelo mais moderno telescópio, concluiremos que esta distância é insignificante.

Estarmos todos juntos é um sentimento que me invade a alma e me conforta, apesar de saber que tudo não passa de um tremendo devaneio. Como sonhador é que encontro uma forma de, às vezes, sonhar em estar perto de todos.

Quem sabe com esse livro eu possa tornar o sonho em realidade, colocar definitivamente nossa constelação no mapa astral e encurtar as distâncias com as medidas do interesse e do amor.


Raul Claudio Baptista

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